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Disfagia orofaríngea na criança: condutas cirúrgicas
Introdução
Crianças com paralisia cerebral podem apresentar disfagia grave, com impacto na nutrição, hidratação e eventual complicações pulmonares (Arvedson, 2013)
Além das intervenções para tratamento da sialorréia, já discutidas anteriormente, discutiremos um pouco sobre a traqueotomia e a separação (desconexão) laringo-traqueal.
Infelizmente, o nível de evidência cientifica disponível quanto à eficácia dos diversos tratamentos é baixo (Foley et al., 2008). Assim, a definição da conduta deve ser modelada para cada paciente, após ponderação dos potenciais benefícios, das limitações e riscos de cada procedimento e respeitando-se os desejos de pacientes e familiares.
Traqueotomia
Apesar das principais indicações de traqueotomia serem ventilação e suporte pulmonar, elas são muitas vezes indicadas na tentativa de controlar a aspiração em pacientes disfágicos. Sem dúvida, ela facilita o acesso à via aérea inferior e favorece a aspiração de secreções e a toalete pulmonar, mas ela não previne a aspiração, podendo até aumentá-la (Shama et al., 2008).
Conceitualmente, a indicação da traqueostomia como modalidade de tratamento cirúrgico para controle da disfagia é incorreta, uma vez que a traqueostomia pode favorecer a aspiração por:
- Fixação mecânica do complexo laringotraqueal à região cervical, limitando sua elevação durante a deglutição;
- Compressão esofágica pelo balonete, dificultando a progressão do bolo alimentar;
- Desvio do fluxo aéreo da laringe com alteração de sensibilidade;
- Diminuição do reflexo de fechamento glótico;
- Redução da habilidade de produzir pressão subglótica para uma tosse eficaz.
Alguns pacientes que aspiram enquanto traqueotomizados, melhoram com a simples decanulação (Santoro, Imamura, 2006).
O uso de balonete de insuflação pode ajudar, mas previne apenas parcialmente a aspiração, que pode ocorrer com a movimentação cervical e em momentos de desinsuflação. Em alguns casos está indicada a aspiração supra-balonete (Ergun, Kahrilas, 1997; Lindeman, 1975). Seu uso prolongado, contudo, pode provocar traqueomalácia, estenose subglótica e fístula tráqueo-esofágica e deve ser evitado.
Separação (ou desconexão) laringotraqueal
Quando a aspiração salivar e as complicações pulmonares são graves, pode ser necessário adotar condutas extremas para controlar a aspiração. Em nosso entendimento, a cirurgia padrão-ouro para este fim é a separação laringotraqueal. Como a cirurgia separa a via aérea da via digestiva pela confecção de um traqueostoma com a traquéia distal, impede-se a aspiração de saliva definitivamente. O coto proximal da traquéia é suturado em fundo-cego, em camadas, para evitar a fistulização. A cirurgia é tecnicamente simples e passível de ser realizada em pacientes traqueostomizados (Santoro, Imamura, 2006).
Separação laringotraqueal Separação Laringotraqueal. O coto proximal da traqueia está suturado em fundo cego. A traqueia distal é suturada à pele, constituindo o traqueostoma. O aspecto final no pescoço não difere que um paciente apenas traqueotomizado.
Apesar de eficaz para o controle da aspiração salivar, este procedimento elimina a vocalização e, deste modo, costuma encontrar resistência por parte de pacientes e familiares. Por outro lado, em pacientes já traqueostomizados e com vocalização limitada, em nossa experiência, existe pouca diferença em termos de morbidade, mas evidente melhora da condição pulmonar e clínica geral. Além de controlar as pneumonias aspirativas, alguns pacientes diminuem a dependência de oxigênio e outros passam até a se alimentar por via oral, apesar de não dispormos de fatores preditores para identificar tais pacientes. A cirurgia pode ser revertida em caso de melhora da disfagia, com reestabelecimento da via respiratória, possibilidade de fechamento do traqueostoma e recuperação funcional da voz (Santoro, Imamura, 2006).
Referências:
ARVEDSON JC. Feeding children with cerebral palsy and swallowing difficulties. Eur J Clin Nutr. 2013 Dec;67 Suppl 2:S9-12. doi: 10.1038/ejcn.2013.224. Review. PubMed PMID: 24301008.
ERGUN GA, KAHRILAS PJ. Medical and Surgical Treatment Interventions in Deglutitive Dysfunction. In: Perlman AL, Schulze-Delrieu K, eds, Deglutition and its Disorders – Anatomy, Physiology, Clinical Diagnosis, and Management, Singular Publishing Group, San Diego, 1997, pp 463-490.
FOLEY N, TEASELL R, SALTER K, KRUGER E, MARTINO R. Dysphagia treatment post stroke: a systematic review of randomised controlled trials. Age Ageing. 2008 May;37(3):258-64. doi: 10.1093/ageing/afn064. Review. PubMed PMID: 18456790.
LINDEMAN RC. Diverting the paralyzed larynx: a reversible procedure for intractable aspiration. Laryngoscope 1975; 85(1): 157-180.
SANTORO PP, IMAMURA R. Disfagia: Diagnóstico e tratamentos. In: Costa SS, Tsuji DH, Lessa MM, Cruz OLM. PRO-ORL Programa de atualização em Otorrinolaringologia. Porto Alegre: Artmed/Panamericana Ed., 2006: 147-89
SHAMA L, CONNOR NP, CIUCCI MR, MCCULLOCH TM. Surgical treatment of dysphagia. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008 Nov;19(4):817-35, ix. doi: 10.1016/j.pmr.2008.05.009. Review. PubMed PMID: 18940643.