Câncer de pele no idoso: algum cuidado especial?
Dr Francisco Aparecido Belfort
Especialista em Oncologia Cutânea e Sarcomas
22/02/2022 · 5 min de leitura
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso, idoso é todo indivíduo com 60 anos ou mais. Será que essa definição é válida para o momento atual? Nos dias de hoje, mais e mais pessoas nessa faixa etária estão aproveitando para voltar a estudar, investir em lazer e até voltar ao mercado de trabalho. Segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até 2055 o número de brasileiros com mais de 60 anos irá superar o de brasileiros com até 29 anos idade.
De acordo com algumas projeções estatísticas, a incidência de câncer em pessoas acima de 65 anos deverá sofrer aumento de 67% entre 2010 e 2030. Ao considerarmos que o maior número de pacientes com câncer de pele faz parte da população acima dos 60 anos, temos que nos preparar para dar atenção a um número crescente de indivíduos, incluindo orientações quanto a cuidados preventivos, diagnóstico precoce e tratamento especializado. A pergunta é: há necessidade de algum cuidado especial em relação ao câncer de pele no idoso? É fundamental considerar que a idade, por si só, não deve ser uma obstrução para o tratamento ideal.
Em muitas condições, incluindo o de câncer de pele, a tendência natural, tanto das equipes médicas quanto dos familiares, é pensar em tratamentos mais restritos, por exemplo, diminuindo as margens cirúrgicas preconizadas para a ressecção de determinado tumor, ou procurando métodos alternativos que não seriam a primeira escolha para determinada condição. Esse dogma tem que ser mudado! Felizmente contamos hoje com excelentes profissionais nas áreas de clínica médica e geriatria, cuidando para que as pessoas com mais idade tenham todas as condições necessárias para se submeterem às diferentes modalidades de tratamento padrão para o câncer de pele (cirurgia, quimioterapia, imunoterapia, terapia alvo, radioterapia e tratamentos tópicos), sem alterar as recomendações necessárias para garantir altas taxas de controle local e cura. Nesse contexto, a abordagem multidisciplinar, exercida em centros de referência em tratamento oncológico, permite que o paciente receba assistência integral e se beneficie da possibilidade de manter um tratamento ideal, a despeito de sua idade.
Porque mais de 50% das mortes por câncer de pele ocorrem em pessoas acima de 65 anos? Podemos pensar em causas diversas, sendo a evolução natural de uma lesão não diagnosticada precocemente uma delas. Por exemplo, o melanoma, um tumor geralmente relacionado a uma pinta preta pré-existente, no idoso mais comumente tem uma forma de crescimento lento, com aparência benigna, se manifestando como uma mancha na face (Figura 1). Outras vezes, no entanto, mesmo no idoso, o melanoma pode ter comportamento mais agressivo e, apesar de aparentar uma bolinha inofensiva, surge e cresce de maneira rápida, as vezes de cor rósea, dificultando e retardando o diagnóstico, exigindo tratamentos mais complexos.
Figura 1. Exemplos de melanoma em idosos. Aparência de uma mancha na face – Lentigo Maligno Melanoma
Outras causas que justificam o comprometimento da vida pelo câncer de pele no idoso são relacionadas às próprias condições de vida na terceira idade. Infelizmente, um bom número de indivíduos desse grupo etário vive em isolamento familiar, muitas vezes morando em asilos, além de outras disfunções próprias da idade: progressão de deficiência visual, imunodeficiência senil e dificuldade para o autoexame da pele, particularmente para a percepção de lesões em locais de menor visibilidade (couro cabeludo, dorso, glúteo, região plantar dos pés etc.), além do próprio desconhecimento da doença. Esses fatores levam a um retardo em procurar auxílio e consequentemente a um diagnóstico tardio de lesões avançadas.
É possível melhorar a situação do câncer de pele no idoso? Certamente podemos obter melhores resultados e diminuir o percentual de insucessos no tratamento de pacientes idosos através de medidas relativamente simples: 1. Na dúvida quanto ao aspecto de alguma lesão nova de pele, mudança de características de uma lesão pré-existente ou simplesmente a percepção de que o padrão de pele é de maior risco para o desenvolvimento de câncer, consulte um especialista; 2. Ao visitar um parente ou amigo, se você observar alguma lesão em área exposta que chame à atenção, não deixe de notificá-lo; 3. Se o indivíduo tem muitas pintas e/ou existem casos de câncer de pele na família, faça uma consulta de “check-up” da pele (é comum procurarmos o cardiologista, o urologista, o ginecologista para exames que já se tornaram parte de nossa rotina de “check-up”, porém muitas vezes esquecemos do nosso maior órgão, a pele). Diante de alguma suspeita ou diagnóstico confirmado de câncer de pele, ajudar o idoso e seus familiares a entender de maneira clara e detalhada os laudos de exames de imagem, biópsias, resultados de patologia e explicar a proposta de tratamento e o resultado esperado, são medidas simples que podem ajudar significativamente a melhorar os resultados e trazer conforto e segurança ao paciente e seus familiares. Esse compartilhamento de informações entre os profissionais da equipe multidisciplinar, pacientes idosos, familiares e cuidadores, certamente ajuda na tomada de decisões, buscando a meta de prolongar a vida com qualidade.
Encerramos essa mensagem, repetindo: a idade, por si só, não deve ser uma barreira para um ótimo tratamento do câncer de pele ou qualquer tipo de doença. O cuidado especial que o idoso merece é manter o tratamento adequado, uma vez que tenha recebido as avaliações clínicas compatíveis ao seu estado físico, seguindo os protocolos de tratamento de qualquer paciente com câncer de pele.