Uropatia Obstrutiva na Infância
Hospital Sírio-Libanês
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Dentre todas as anomalias fetais com diagnóstico intraútero, as anormalidades do trato urinário contribuem com 17 a 20 % do total. A maioria delas é diagnosticada no segundo ou terceiro trimestre da gestação, por meio da ultrassonografia gestacional, permanecendo desafio constante para os urologistas pediátricos.
No início, acreditava-se que a hidronefrose antenatal ou intraútero (dilatação dos rins consequente à obstrução das vias urinárias) sempre significava obstrução, justificando correção cirúrgica precoce no período neonatal. Mais recentemente, pesquisas baseadas em seguimento expectante dessas uropatias demonstraram que somente 25% da patologia requerem intervenção cirúrgica. Entretanto, obstrução silenciosa e progressiva pode ocorrer exigindo necessidade de monitorização persistente desses recém-nascidos com técnicas que medem a função renal e métodos de imagem. Teoricamente, a detecção antenatal deveria diminuir a morbidade da afecção renal pela abordagem precoce no tratamento no período pós-natal, o que nem sempre ocorre. Aguarda-se ainda protocolos de seguimento clínico tardio que defina com exatidão a história natural da patologia diagnosticada no período pré-natal.
Estima-se que 80% de recém-nascidos com diagnóstico antenatal de uropatias obstrutivas não apresentam sinais e sintomas ao nascer. COLODNY(6) propõe os seguintes questionamentos a serem mentalizados, diante de qualquer anomalia urológica detectada no período gestacional:
- Sexo do feto.
- Quantidade de líquido amniótico (90% é urina do feto).
- Patologia unilateral ou bilateral.
- Evidência de dilatação ureteral.
- Bexiga com parede espessada.
- Bexiga distendida ou vazia.
- Dilatação de uretra posterior no sexo masculino.
Além das anomalias de bexiga (extrofia vesical e extrofia de cloaca), persistência de cloaca, hidrocele, micropênis, a detecção antenatal da genitália ambígua (estado intersexual) cria muito estresse e ansiedade nos pais, diante da potencial anormalidade congênita sexual e podendo constituir emergência social na definição do sexo. Cheikhelard e cols 8 revisaram 53 casos de genitália anormal com detecção antenatal baseados em ultrassonografia e cariótipo: com sugestão diagnóstica de hipospadia, micropênis, escroto bífido, criptorquidia, clitoromegalia e hidrometrocolpos.7,9
Investigação com exames após o nascimento
A primeira avaliação do recém-nascido é o exame físico, feito pelo neonatologista, que deve estar informado da suspeita da malformação urológica antenatal; é importante o conhecimento da primeira micção, se o jato urinário é fraco, normal ou em gotejamento, presença de massa abdominal palpável nos flancos, bexiga palpável que não se reduz com a micção, além de infecção do trato urinário, hematuria (sangue na urina ) e insuficiência renal. 10,11
O primeiro passo é confirmar o diagnóstico antenatal. As indicações para iniciar antibióticos profiláticos devem ser consideradas principalmente em neonatos com ureteres dilatados ou com suspeita diagnóstica de refluxo vesicoureteral.
- Ultrassonografia abdominal e pélvica (US) precoce para confirmar o achado intrauterino: avaliação da espessura da córtex renal (tecido renal nobre que filtra a urina), quantificar dilatação pielocalicial, avaliação do ureter, bexiga e uretra.
- Determinação de ureia, creatinina e eletrólitos séricos (função renal).
- Análise do sedimento urinário e cultura de urina (punção suprapúbica ou saco coletor) para detectar infecção urinária.
Após 4ª semana
- Avaliação funcional do trato urinário por meio de métodos radioisotópicos: a avaliação da função glomerular renal é feita com 99 mTc – DTPA e teste provocativo com diurético, para se avaliar "obstrução". A morfologia renal e função tubular renal é avaliada com 99 mTc – DMSA (cintilografia renal).
- Urografia excretora "planejada", evitando exposições exageradas de RX; esse exame é feito com contraste.
- Cistouretrografia miccional: RX da bexiga e uretra, realizado sob antibioticoterapia profilática; o exame deve ser antecipado diante da suspeita de refluxo vesicoureteral, megaureter obstrutivo ou válvula de uretra posterior.
As principais uropatias
A maioria das afecções urológicas congênitas ocorre nos meninos, dentre elas: obstrução da junção ureteropiélica (JUP), megaureter primário, ureterocele, assim como válvula de uretra posterior, síndrome de prune-belly e divertículo uretral.
O refluxo vesicoureteral mais frequentemente associado às infecções urinárias em meninos no período lactente, ocorre em igual frequência no recém-nascido, tanto sexo masculino como feminino.
Estenose de junção pieloureteral (JUP) é a anomalia mais frequente com incidência de 1 em 1000 recém-nascidos, predominada em meninos. O exame físico muitas vezes apresenta massa palpável em loja renal; a ultrassonografia pós-natal mostra imagens cavitárias que podem sugerir cistos, mas diferentemente destes, são cavidades comunicantes entre si. A evidência de parênquima renal, com espessura variável, reforça o diagnóstico ultrassonográfico de hidronefrose.
A cintilografia renal (DMSA) é o exame ideal para avaliar a função renal de ambos os rins. Diante uma função renal menor do que 40%, a cirurgia para correção da estenose é recomendada nos primeiros seis meses. Se a função renal for acima desse valor, pode ser acompanhada com repetidas cintilografias após três, seis e 12 meses, e a correção cirúrgica é aguardada se ocorrer deterioração da função renal. Atualmente, a hidronefrose unilateral tem sido considerada uma patologia benigna diante da recuperação da função renal observada em grandes séries de recém-nascidos, submetidos a tratamento clínico expectante. 12
Rim multicístico – representa forma especifica de displasia renal (rim que já nasceu sem funcionar) resultante de obstrução completa da JUP ou ureter proximal. A imagem ultrassonográfica de múltiplos cistos renais, sem parênquima renal visível e ureter não identificado induz ao diagnóstico de rim multicístico. Estudos com radioisótopos demonstram ausência de função desse rim. Via de regra, quando o rim contralateral é normal a conduta é conservadora, visto que sem tratamento rim multicístico tende a involuir e se comportar silenciosamente.13
Megaureter – Por definição, o ureter tem diâmetro acima de 1 cm, é dilatado e ocorre em consequência de obstrução do ureter na entrada da bexiga. A metade dos recém-nascidos, principalmente aqueles com diagnóstico antenatal, são assintomáticos e assim continuam com regressão espontânea da dilatação das vias excretoras em 50% dos casos após dois anos de observação e com melhora da função renal. Os megaureteres com pior evolução são aqueles com diâmetro ureteral maior de 1 cm, a ponto de impor tratamento cirúrgico nos primeiros meses de vida. A avaliação funcional renal, por meio do renograma radioisotópico, evidencia o grau de comprometimento da função renal e pode definir se a dilatação ureteral é obstrutiva ou não.14
Ureterocele e duplicação ureteral – A ureterocele (dilatação cística da extremidade ureteral) é a forma encontrada na criança associada ao polo renal superior nas duplicidades pieloureteral (como se fossem dois rins). Além do risco de infecção, a ureterocele pode ser causa de dificuldade no esvaziamento vesical. O polo renal superior comprometido geralmente não tem função, não filtra urina e deve ser retirado com o ureter correspondente (heminefroureterectomia parcial).
Refluxo vesicoureteral – O diagnóstico de certeza do RVU é obtido pela uretrocistografia miccional, a qual deve ser realizada em condições de assepsia absoluta, para se evitar contaminação do trato urinário. Diante do refluxo vesicoureteral, com bom esvaziamento vesical, deve-se optar por conduta conservadora, com antibióticos preventivos. A história natural RVU revela melhora e cura espontânea com a idade, razão pela qual o tratamento cirúrgico está indicado apenas em situações muito especiais e, raramente, antes do primeiro ano de vida.
Válvula de uretra posterior – é a causa mais comum e mais grave da obstrução infravesical (no canal urinário) em meninos. O diagnóstico ultrassonográfico antenatal presuntivo de válvula de uretra posterior (VUP) é reforçado no exame físico, pela presença de tumoração hipogástrica ("bexigoma") que se reduz pouco com a micção. O estado geral pode estar comprometido e agravado por fatores relacionados com infecção urinária e insuficiência renal obstrutiva.
Referências bibliográficas
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