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Um mal silencioso

16/12/2018 às 02:00SaúdeNotíciasBem-estarHospital

Raros, os tumores neuroendócrinos costumam ser detectados já em estágio metastático. Eles se manifestam em vários órgãos do corpo

Com uma incidência de sete em cada 100 mil pessoas, os tumores neuroendócrinos (TNE) surgem em várias partes do organismo, mas são mais comuns no trato digestivo — da boca ao ânus. Costumam atingir homens e mulheres com idade entre 50 e 60 anos e se caracterizam pelo desenvolvimento e crescimento de forma incontrolável de células do sistema neuroendócrino — responsável pela liberação de hormônios no organismo e regulagem de diferentes órgãos.

O diagnóstico desse tipo raro de tumor pode levar entre cinco e sete anos. A maioria começa como uma lesão pequena e que não causa sintoma algum. Por anos, a lesão cresce até causar metástases — também assintomática. "Só quando essas metástases crescem demais é que podem surgir os sintomas", esclarece Diogo Bugano, médico oncologista da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e especialista em tumores do trato digestivo.

Por esse motivo, em geral, é diagnosticado em dois momentos: quando o paciente faz um exame e, por acaso, detecta o tumor; ou quando apresenta os sintomas da doença metastática.

Segundo o médico oncologista Tulio Pfiffer, 80% dos tumores neuroendócrinos costumam ser indolores e pouco agressivos, enquanto apenas 20% são agressivos de evolução rápida. Ele ainda alerta que 60% se originam no aparelho digestivo, 30% no pulmão, e os demais 10% em outros órgãos.

Quanto aos sintomas, diz Tulio, causam desconforto abdominal, dores, mal-estar, alteração do trânsito intestinal e, em casos mais graves, emagrecimento e sangramento. "Além disso, esses tumores estão relacionados a síndromes genéticas, como Neoplasia Endócrina Múltipla", informa. Sendo assim, de 15% a 20% têm causa hereditária. Porém, para a grande maioria dos casos, ainda não há uma causa bem estabelecida.

O oncologista Diogo acrescenta que há quatro fatores que podem determinar a agressividade dos tumores. Em geral, os originados no estômago têm melhor prognóstico, os no pâncreas oferecem piores prognósticos. Além disso, os tipos mais agressivos recebem a classificação de carcinoma neuroendócrino.

"O grau histológico é graduado de um a três — sendo três o mais agressivo. Em geral, tumores localizados têm alta chance de cura. Tumores metastáticos têm baixa chance de cura. Em alguns casos, os pacientes vivem por mais de 10 anos com a doença."

Classificação

A Sociedade Europeia de Tumores Neuroendócrinos (ENETS) classifica os tumores neuroendócrinos, primeiramente, de acordo com o local de origem, como de pulmão, gástrico e duodenais intestino delgado e pâncreas. Ao analisar a biópsia, o patologista vai diferenciá-lo entre tumores bem diferenciados (ou baixo grau, grau 1 e grau 2) e pouco diferenciados (de alto grau), e até tumores mistos (com componente de carcinoma neuroendócrino e não neuroendócrino no mesmo tumor).

Sintomas

Os sintomas funcionantes são os mais característicos — tumores de intestino delgado podem ser produtores de serotonina, e este hormônio pode produzira síndrome carcinoide, em que o paciente apresenta crises de diarreia e rubor facial/calor (sensação parecida com fogachos da menopausa).

Mas a maior parte dos pacientes tem sintomas pouco específicos. Portanto, mudanças do hábito intestinal, sangramentos digestivos, anemia ferropriva (por deficiência de ferro) ou dores abdominais persistentes devem ser investigados.

Em localização como pâncreas, a doença cresce lentamente, sem produzir sintomas e sem risco de metástase por muitos anos. Se descoberta acidentalmente (isto é, num exame de imagem realizado por outro motivo), pode ser apenas acompanhada, a depender da idade do paciente.

Outras vezes, esses tumores, mesmos pequenos, produzem hormônios que podem causar sintomas ao paciente. Porém são tão comuns, como diarreia, por exemplo, que o paciente não percebe que pode ser algo mais grave e, às vezes, se automedica ou não investiga, o que retarda o diagnóstico.

Em alguns lugares primários, como estômago ou reto, o médico gastroenterologista ou o proctologista, durante o exame endoscópico, facilmente detecta esses pequenos pólipos. A análise do patologista determina uma classificação do tumor de acordo com o grau de diferenciação.

Palavra do especialista

Qual é a gravidade dessa categoria de tumor?

Os tumores neuroendócrinos (TNE) são neoplasias raras, que podem surgir em diversos órgãos, como pulmão, estômago, intestino delgado, pâncreas, cólon, reto e até pele. São doenças heterogêneas, em termos de comportamento, que podem variar desde muito indolentes e que não produzem metástases até doenças muito agressivas, que levam a óbito em poucos meses. Alguns pacientes têm sintoma pela produção de hormônios pelas células tumorais — chamamos tumores funcionantes — e esses quadros precisam ser controlados, porque podem produzir situações que causam risco de vida, por exemplo, a cardiopatia carcinoide.

Quais são os problemas relacionados à demora do diagnóstico?

A maior parte dos tumores neuroendócrinos são de baixo grau ou bem diferenciados. Esses tumores crescem de forma lenta, as células demoram a se duplicar e apenas uma pequena fração do tumor — menos de 1% — está com propensão a gerar células-filhas (mitose). Dessa forma, levam muitos anos para se desenvolveram a um tamanho que gere sintomas. Além disso, devido a esse tempo longo de crescimento, o corpo se adapta e permite o desenvolvimento de forma silenciosa.

Há relação com o estilo de vida, genética, hereditariedade?

A maior parte dos TNEs são esporádicos, ou seja, sem relação com a herança genética. Contudo, existem síndromes familiares conhecidas relacionadas a tumores neuroendócrinos, como as neoplasias endócrinas múltiplas (NEM—1 e NEM-2). Nesses cenários, os pacientes são mais jovens. O oncologista especialista sempre rastreia a possibilidade de estar diante de um paciente com síndrome genética e direciona os casos suspeitos para um aconselhamento genético com o médico geneticista.

Quais cuidados mais relevantes devem ser tomados, já que a doença é rara e requer mais informações?

Os tumores neuroendócrinos são doenças raras e com aspectos peculiares a cada paciente. E, em geral, tem uma sobrevida muito longa, mesmo quando descobertos com metástases, se tratados em centros especializados. E importante que o paciente não se compare a outros e evite fazer pesquisas em sites de busca. Procure informação diretamente com o seu médico, que saberá direcionar as melhores condutas pertinentes ao seu caso individualmente.

Fonte: Brenda R. Gumz é oncologista clínica do Hospital Sírio-Libanês, membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e do Grupo Brasileiro de tumores do trato Gastrointestinal (GTG) e membro da European Neuroendocrine Tumor Society (ENETS).

Fonte: Revista do Correio