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Ansiedade que paralisa

18/09/2017 às 03:00SaúdeNotíciasBem-estarHospital

​Primeiro, uma sensação de perigo toma conta do corpo. Não é possível detectar uma ameaça real ou um motivo específico, mas o medo chega e se apossa. Em seguida, vêm as palpitações, a alteração no ritmo da respiração, a falta de ar e a sensação de opressão no peito. O coração parece estar a ponto de explodir, as mãos começam a tremer como se você se preparasse para enfrentar algo terrível.

A descrição acima nada mais é do que os componentes fisiológicos de uma reação ansiosa que atinge a maioria dos que sofrem de transtorno de ansiedade generalizada (TAG). Os sintomas e a intensidade variam de pessoa para pessoa. O período, também. Tudo pode chegar e desaparecer em um piscar de olhos, mas é possível que dure horas, exigindo técnicas ou medicamentos para cortar a evolução das manifestações.

Geralmente, não é possível identificar o que desencadeou as reações tão abruptas e extemporâneas. Você fica aturdido e não entende por que está sofrendo essas crises, que se repetem uma, duas ou mais vezes por mês — algumas pessoas passam pela mesma situação inúmeras vezes em uma mesma semana.

Segundo o neurologista Marcio Balthazar, o TAG está descrito no Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM 5) como ansiedade ou preocupação excessiva acerca de diversos eventos ou atividades. De acordo com o médico, a intensidade, a duração ou a frequência da ansiedade são desproporcionais à probabilidade real ou ao impacto do evento antecipado.

Pesquisa recente da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que brasileiros são os que mais sofrem de transtornos de ansiedade no mundo. Os dados alarmantes sobre a situação mental no país apontam que 23,9% da população têm algum tipo de transtorno de ansiedade. Esse é o caso de G. F., 42 anos, que preferiu não se identificar. Psicóloga, ela sempre fez acompanhamento com outro profissional da área. A surpresa foi quando começou a desenvolver sintomas que não compreendia muito bem: falta de sono e de ar, além de taquicardia, que se tornaram cada vez mais frequentes. A psicóloga que acompanhava G. F. diagnosticou o transtorno de ansiedade generalizada. Por algum tempo, tentou controlar o problema com técnicas de relaxamento. Após falharem, porém, o encaminhamento para um psiquiatra fez-se necessário.

Tudo começou em 2012. Em abril, os sintomas se tornaram mais intensos. "Comecei a ter crises de ansiedade com muita frequência, até no trabalho. Isso me atrapalhava muito." O tratamento com medicamentos foi iniciado, mas G. F. não conseguia fugir do mal-estar com as oscilações da ansiedade. "Tudo acontecia do nada. Muita falta de ar e taquicardia. Era impossível me concentrar em qualquer outra coisa", relembra. Poucos meses depois, ela recebeu o diagnóstico de câncer de mama.

"Quando descobri o tumor, decidi que cuidaria de mim por completo. Todo meu foco foi para a recuperação da doença e, aos poucos, percebi os sintomas da ansiedade diminuindo." Somente após alguns meses, é possível enxergar os medicamentos fazendo efeito. Esse é o tempo que o organismo precisa para a adaptação da dosagem.

G. F. continuou com o uso de remédios por dois anos e, em 2014, foi autorizada a suspendê-los. Apesar da alegria de superar o câncer e deixar as substâncias de lado, um ano depois, a psicóloga passaria pela cirurgia de reconstrução da mama e, novamente, viveria um forte estresse emocional. Os sintomas do transtorno foram despertados. "A mente controla o corpo e vivemos em função de nossos medos e inseguranças. Não quero mais isso para mim. Hoje, eu me cuido e não me deixo abater."

Os remédios estão de volta à sua rotina, mas, felizmente, todos os sintomas estão sob controle. "Aprendi a ficar mais atenta aos sinais do meu corpo, e acredito que tudo isso é um aprendizado enorme na minha vida." Para G.F., o mais importante é que não se hesite na hora de procurar a ajuda de um profissional e, principalmente, que as pessoas deixem de lado o tabu de que o acompanhamento com psicólogo e psiquiatra é para pessoas loucas. "É preciso desmistificar essa ideia e se apoiar na família e em coisas que te fazem bem, porque, eventualmente, tudo melhora. Não é um problema sem solução. Há esperança!"

Quando vira patologia

A psicóloga do Hospital Sírio-Libanês Ana Brunetto Tancredi explica que o TAG se trata de um quadro complexo, no qual a pessoa sofre um estado de ansiedade excessiva por grande parte do dia ou na forma de crises esporádicas. "O paciente passa a apresentar preocupações sobre diversos eventos cotidianos de maneira persistente, desproporcional e de difícil controle." Na maioria das vezes, não há um motivo identificado, mas, em algumas circunstâncias, pode haver um fator desencadeante, como algum trauma vivenciado ou uma situação corriqueira. Em situações extremas, o TAG pode evoluir para um ataque de pânico.

Quando alguém está sendo assaltado ou passando por problemas profissionais, por exemplo, a ansiedade não passa de um mecanismo de defesa do corpo. Ela só deixa de ser normal — e aí se justifica o uso temporário de medicação ansiolítica — se sua intensidade perturbar o desempenho nas funções de vida. Para Ana, o atendimento psicológico é, habitualmente, mais eficiente do que o uso prolongado de "calmantes" para ajudar a atravessar o período de estresse.

O psiquiatra Victor Soares, da clínica Anankê, acrescenta que o sentimento de ansiedade — quando não relacionado ao transtorno — é saudável. "Quando somos confrontados com um problema ou uma dificuldade, a sensação despertada é a apreensão e uma certa angústia para que a situação seja resolvida. É como um impulso do organismo para que possamos lidar com as dificuldades", explica.

A partir do momento em que a apreensão comum se manifesta com tremores, palpitações, falta de ar, por exemplo, e impede que a pessoa resolva alguma situação, pode ser um sinal de que o indivíduo tem o TAG. "Quando essa ansiedade se torna constante, mesmo nos menores problemas, e paralisa a pessoa, ou mesmo quando os sintomas se apresentam sem nenhum confronto aparente, já pode ser considerada um transtorno", ensina.

O cérebro que adoece

Neurocientistas do comportamento identificaram a existência de um circuito cerebral comum a todos os mamíferos, incluindo o homem, cuja função é identificar sinais de perigo real ou potencial e comandar reações apropriadas de medo e ansiedade. Anatomicamente, esse circuito é composto pela amígdala cerebelosa, hipotálamo, matéria cinzenta periaquedutal dorsal e hipocampo. Todas essas estruturas são ativadas por estímulos que sinalizam o perigo.

Segundo o professor do Instituto de Psicologia da UnB e neurocientista do comportamento Antonio Pedro de Mello, a amígdala cerebelosa ocupa papel central nesse circuito e comanda todas as reações de medo e ansiedade. "Sem a amígdala, seríamos menos ansiosos, mas nossa vida, certamente, seria mais curta também, pois seríamos incapazes de identificar sinais de perigo em potencial no ambiente."

De fato, a identificação desse circuito tem contribuído para o entendimento das bases neurobiológicas dos diversos transtornos de ansiedade. Por exemplo, já se sabe que indivíduos com traços elevados de ansiedade, assim como pacientes fóbicos, têm a amígdala mais ativada em comparação a indivíduos menos ansiosos. "No caso do transtorno de pânico, parece haver uma alteração dos níveis de serotonina na matéria cinzenta periaquedutal", diz o neurocientista.

Patrícia Shimata Kikuchi, fisioterapeuta especializada em estresse pós-traumático através do corpo, explica como se inicia o processo de manifestação física de uma crise. Ao ser deparado com uma situação de estresse, de grande ou pequena magnitude, o ansioso costuma tensionar o corpo. O movimento faz com o que o diafragma também se tensione e altere o ritmo da respiração, deixando-a mais rápida e curta.

Ao receber esse sinal, o cérebro identifica que o corpo passa por situação de perigo e envia mensagens a todo o organismo, promovendo uma descarga de adrenalina. O coração bombeia o sangue com mais rapidez, causando a taquicardia e a sensação de dor no peito. Essas reações constantes alteram o fluxo de energia comum do organismo, deixando-o cada vez mais "confuso", sem saber distinguir o perigo real de situações de conflito comuns no dia a dia.

Fonte: impresso.correioweb.com.br