0 ministro da Ciência, Marcos Pontes, no evento em que falou sobre ação de vermífugo contra Covid19 Evar&osái9.oul2o/afp Vermífugo não reduz sintomas de Covid19, diz estudo do governo Presidente e ministro da Ciência afirmaram em evento que droga salvaria vidas Acima, gráfico usado em vídeo do governo para afirmar que a nitazoxanida é eficaz contra o coronavírus, porque seria capaz de diminuir a carga viral; abaixo, imagem de vídeo encontrado no banco de imagens Shutterstock Divulgaçãoeshutterstoci Phillippe Watanabe são paulo Segundo estudo financiado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, o uso do antiparasitário nitazoxanida (de comercial Annita) contra a Covid-19 teve resultado similar ao do placebo. Mesmo assim, a pesquisa foi motivo de cerimônia com presença do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) —no evento, um gráfico genérico dizia que a droga era eficaz e poderia ajudar no combate à pandemia. “Em resumo, nós temos agora uma ferramenta que o Ministério da Saúde pode utilizar para ajudar a salvar vidas”, disse Pontes, no evento no último dia 19. “Dá para ter uma noção do que estamos anunciando aqui hoje, né? Nós estamos anunciando algo que vai começar a mudar a história da pandemia.” Os resultados do estudo, disponibilizado empié-print (ou seja, ainda não publicado e revisado por outros pesquisadores), são significativamente mais modestos do que os citados por Pontes. Segundo médicos e pesquisadores ouvidos pela Folha, a conclusão da pesquisa não muda o cenário atual e não deve significar uma guinada no combate ao novo coronavírus. Os próprios autores da pesquisa foram mais cuidadosos que o ministro ao apresentar o resultado observado. “Em pacientes com Covid-19 moderada, não houve diferença na resolução dos sintomas, após cinco dias, entre os grupos que usaram nitazoxanida e os que tomaram placebo”, escreveram. Mas, também segundo a pesquisa, a droga é segura para pacientes com Covid-19 e leva à redução da carga viral, o que era considerado um resultado secundário, de acordo com o desenho do estudo. Essa diminuição foi um dos únicos detalhes destacados na cerimônia da qual participaram Pontes e Bolsonaro. O problema é que a redução da carga viral não significa muita coisa sozinha. Como o próprio estudo concluiu, isso não se traduziu em abreviação dos sintomas da doença. A pesquisa, financiada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia via CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), foi feita com 475 pacientes adultos com Covid-19 e tinha como objetivo verificar se a nitazoxanida ajudava na diminuição de tosse, febre e fadiga. Não ajuda, diz a pesquisa. Apesar de randomizado, multicêntrico e duplo-cego (ou seja, que divide os pacientes em grupos aleatórios, que não sabem se estão tomando o remédio ou placebo, todas características que aumentam a sua qualidade metodológica), o estudo apresenta uma série de limitações, reconhecidas pelos próprios autores. Para começar, não foi feita uma análise mais ampla dos efeitos da droga, mas apenas de três sintomas da Covid-19. Os pacientes foram acompanhados por apenas cinco dias. Além disso, somente os participantes que continuaram com sintomas (49 dos que tomavam o vermífugo e 46 do grupo controle) foram acompanhados por mais tempo. Por último, não é possível saber se a medicação foi adequadamente tomada. “O resultado principal é que não teve diferença entre os dois grupos no desfecho primário”, diz Natália Pasternak, doutora em microbiologia pela USP e presidente do Instituto Questão de Ciência, que aponta outros problemas metodológicos, como exclusões de participantes do estudo depois da randomização, o que poderia enviesar os resultados. Os autores da pesquisa excluíram pacientes que, por exemplo, apresentaram efeitos adversos e foram hospitalizados. “O único desfecho positivo que eles tiveram foi carga viral, que não tem relevância clínica e epidemiológica.” “Nos casos mais leves, acho que todos nós gostaríamos de resultados mais expressivos e impactantes em termos de evolução, de evitar hospitalização, o que não aconteceu”, diz Raquel Stucehi, pesquisadora da Unicamp e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia). A pesquisa, porém, levanta questões para pesquisas futuras, como a possibilidade de que a diminuição da carga viral vista a partir do sétimo dia talvez possa reduzir o risco de transmissão entre pessoas que moram na mesma casa, afirma Stucchi. Mas nada que mude as abordagens de prevenção, como distanciamento social e uso de máscara. Outro ponto que poderia ser interessante de ser analisado é o efeito da medicação nos sintomas pós-Covid, o que necessitaria um acompanhamento mais longo, afirma a pesquisadora da Unicamp. Stucchi diz que as pessoas não devem tomar a droga imaginando que vão evitar a doença ou a piora dela. “Os resultados não modificam a prática clínica”, afirma Luciano Azevedo, professor de terapia intensiva da USP e pesquisador do Hospital Sírio-Libanês. “O impacto clínico de você identificar carga viral é discutível, é muito limitado se você não tem um efeito positivo em um desfecho clínico mais significativo, como tempo da piora clínica, ventilação mecânica, mortalidade.” O pesquisador afirma ainda que, pela carga viral se tratar de um dado laboratorial obtido através do exame PCR, há chances de falha e potencial para vieses derivados do modo de coleta, armazenamento e transporte para análise. Mesmo com o que foi apontado, Azevedo diz que o esforço científico dos autores do estudo merece elogios, considerando que se trata de uma pesquisa prospectiva, randomizado, cegada, com algumas centenas de pessoas em meio a uma pandemia. Segundo o pesquisador, pesquisas futuras sobre a droga poderiam olhar exatamente para desfechos clínicos significativos, como hospitalizações. O anúncio feito por Bolsonaro e Pontes, além de inflar os resultados da pesquisa, tinha pelo menos outro erro. “Conversei com ele [Pontes] também e ele me disse que, dessas pessoas que usaram esse medicamento [nitazoxanida], nenhuma pessoa foi sequer hospitalizada”, disse Bolsonaro. A afirmação não é verdadeira. Segundo os dados do estudo, cinco pacientes que tomavam nitazoxanida foram hospitalizados pela piora clínica e dois foram internados em UTI.