Mesmo satisfeito com o sucesso do time, técnico, que pegou a covid-19 e teve medo de morrer, se incomoda com os riscos Guilherme Amaro Quando aceitou treinar o Santos, Cuca sabia que encontraria um grupo reduzido, atrasos salariais, proibição da Fifa para contratar e dois jogadores Everson e Sasha brigando por rescisão na Justiça. Mesmo assim, vislumbrou a possibilidade de o time conquistar a Libertadores. Disse isso aos atletas logo em sua primeira conversa com o grupo. A “esperança” pode se tornar realidade dia 30, quando o Santos enfrentará o Palmeiras na final, em jogo único no Maracanã. O maior receio de Cuca era a chance de Everson e Sasha conseguirem a rescisão de contrato na Justiça. O treinador, então, se intrometeu e “negociou” a ida dos dois jogadores para o Atlético-MG. E o Santos recebeu cerca de R$ 15 milhões, usados para quitar algumas pendências com o elenco. Num clube em crise política e econômica, Cuca fez o papel de “presidente”. Outro medo que Cuca enfrentou foi o da morte. Ele contraiu coronavírus em novembro e ficou nove dias internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Teve lesões nos pulmões e hepatite em razão dos medicamentos, mas a pior notícia veio em Curitiba, onde seu sogro, Agostinho Maestrelli, morreu aos 81 anos em decorrência de complicações causadas pela covid-19 dias antes de ser diagnosticado com a doença, Cuca havia recebido a visita de familiares, o que pode ter gerado os casos. Por tudo isso, apesar de comemorar a chegada do Santos à decisão da Libertadores, Cuca admite nesta entrevista ao Estadão que fica “pensando se é certo os times estarem jogando” durante a pandemia. •. Por que confiava tanto que o Santos poderia conquistar a Libertadores? Quando você tem um grupo reFalta um passo. Contra os prognósticos, Cuca sempre acreditou em a possibilidade de 0 Santos ir longe na Libertadores duzido igual ao nosso, ele vai ser para competição mais curta, de mata-mata, não para um campeonato com 38 rodadas, que vai ter lesão, suspensão, mau momento, covid19... nós pensamos nisso. Já tínhamos duas vitórias na Libertadores (obtidas com Jesualdo Ferreira, 0 que Cuca faz questão de destacar), com boas chances de fazer boa campanha na fase de grupos e decidir os mata-matas em casa, que é muito importante, mesmo sem torcida, porque você não viaja, é sua casa, é seu campo, seu vestiário. • Como foi fazer o papel de “presidente”? Gosto do Peres (José Carlos, que sofreu impeachment). Quando o Marinho falou aquilo (0 chamou de presidente) é porque eu fui o elo deles. Eles entenderam o momento que o clube passava. Jogando sempre aberto, falei “não temos isso, não temos aquilo, mas temos isso e precisamos treinar, temos Jobson está fora da final por contusão • 0 volantes Jobson vai desfalcar o Santos na final da Libertadores e não voltará a jogar tão cedo. Ele sofreu lesão no ligamento cruzado anterior e no menisco lateral do joelho direito. Deve parar por cerca de seis meses. Que jogar”. Quando teve os casos na Justiça, falei com os dois jogadores, falei com o Mattos (Alexandre, então diretor de futebol do Galo). Revertemos o dinheiro das negociações em pagamento ao elenco. Ali deu uma diminuída boa na pressão, o pessoal pegou confiança e abraçou, entendeu os problemas e não se queixou mais de nada. • você contraiu coronavírus. Como foram os dias internados? Fui diagnosticado num sábado de manhã. Fui para o treino, o doutor me deu remédio e me deu taquicardia, o coração foi pra 150 (batimentos por minuto) e não baixava, respiração muito ofegante. Tentaram baixar com remédios, mas não conseguiram e fui para a Beneficência Portuguesa, aqui em Santos. Depois, o doutor Fabio (Novi) me levou para São Paulo, colocou em risco ele próprio, que já teve câncer no cérebro, colocou a vida dele em risco por mim, parecia um bombeiro, com todas as proteções, e fomos para o Sírio-Libanês. • temeu a morte? Lá (no Sírio), fiquei seis dias tomando medicamentos sob os cuidados da equipe do doutor Esper e da doutora Fabiana. No sexto dia, a doutora ficou mexendo no músculo do meu braço e falou “você está mal, vamos te levar para a Unidade Crítica Geral”. Eu só falei “sério? ” E fui lá para cima. Daí fui enfraquecendo, tive muita dor de cabeça e dificuldade para respirar, você vê que não é mais o dono das ações, isso é muito triste. A gente entende que é assim que pode acabar tudo, é muito difícil, ainda mais sem ver a família, não tem o que fazer. • quando começou a melhorar? No começo eu não conseguia ir nem para a cadeira que tinha do lado da cama, não tinha forças. Um dia consegui ir e coincidentemente a doutora entrou no quarto e me viu lá. Dali para frente, ela me fortaleceu, consegui melhorar, mas peguei hepatite medicamentosa e fui para Curitiba. Perdi meu sogro, que foi muito doído, ele era um amigaço meu e eu que peguei antes (a covid19). Em cinco dias, a gente perdeu ele, era idoso, mas tinha muita saúde, era carpinteiro, subia até no telhado. Foi muito triste. • você acha que os campeona- Sinceramente, eu estou numa final de Libertadores, mas fico pensando se é certo estarmos jogando. Se você não jogar, os clubes vão quebrar, os jogadores vão ficar desempregados. E toda uma cadeia que envolve. Ao mesmo tempo, não sabemos se é certo ou não, porque você está se expondo a um risco de morte muito grande. E largar nas mãos de Deus. • voltando ao futebol, acha que o Marinho é o melhor jogador do futebol brasileiro? Sou suspeito para falar, porque gosto muito do Marinho. Ele é muito preocupado com a parte tática e com a parte coletiva, é muito responsável, é bom. Eu gosto de jogador assim, gosto muito do futebol dele, é um protagonista. Está entre os melhores. • Acha que o Santos pode ser considerado "azarão" por todos os problemas que enfrentou? Agora não. Ao longo da competição, até poderia ser, mas a final é um jogo só, tudo pode acontecer. São chances iguais, 50% para cada lado. •. Como administrar 0 desgastes do elenco e manter o ritmo de jogo até dia 30? Vou trabalhar como foi contra o Botafogo. Coloquei o que tinha de melhor. E seguir assim. Se tiver algum com dor ou risco maior de lesão, claro que vamos segurar. Vamos analisar, colocar num jogo e poder tirar de outro, mas vamos manter esse ritmo de jogo deles. •. Você tem usado uma camiseta da Virgem Maria na Libertadores, como foi em 2013 e que está guardada na sede do AtléticoMG. Como é esse seu lado religioso e supersticioso? Falam que eu que sou o supersticioso, mas a camisa está lá no Galo até hoje, a calça roxa continua no Palmeiras (usada no título brasileiro de 2016) ... E eu que sou o supersticioso (risos). Isso que é o gostoso. Que a camisa da Virgem Maria fique aqui também. Tem o lado da superstição, mas a camisa é o lado religioso, a Maria é uma só, é a mãe de Jesus, sou devoto e fã dela. ‘Estou numa final de Libertadores, mas fico pensando se é certo estar jogando.